Crescente Fértil

Definição

Joshua J. Mark
por , traduzido por Eric Azevedo
publicado em 28 Março 2018
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Disponível noutras línguas: Inglês, francês
States of the Fertile Crescent, c. 1450 BCE (by Свифт/Svift, Public Domain)
Estados do Crescente Fértil, c. 1450 aC
Свифт/Svift (Public Domain)

O Crescente Fértil, frequentemente chamado de “Berço da Civilização”, é a região no Oriente Médio que corresponde a uma curva, como no formato da lua em quarto crescente, compreendendo as regiões contemporâneas do sul do Iraque, Síria, Líbano, Jordânia, Israel e norte do Egito. A região tem sido há tempos reconhecida por suas fundamentais contribuições à cultura mundial, decorrente das civilizações da Mesopotâmia antiga, Egito e Levante (que incluía sumérios, babilônios, assírios, egípcios e fenícios), todos responsáveis pelo desenvolvimento da civilização.

Praticamente todo a área de conhecimento humano foi avançada por esses povos, incluindo:

  • Ciência e Tecnologia
  • Escrita e Literatura
  • Religião
  • Técnicas Agrícolas
  • Matemática e Astronomia
  • Astrologia e o desenvolvimento do Zodíaco
  • Domesticação de Animais
  • Comércio de Longa Distância
  • Práticas Médicas (incluindo odontologia)
  • A Roda
  • O Conceito de Tempo

O termo foi inicialmente cunhado em 1916 EC pelo egiptologista James Henry Breasted em seu trabalho Antiguidade: Uma história do Mundo Antigo, onde escreveu:

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Essa crescente fértil é aproximadamente um semicírculo, com o lado aberto voltado ao sul, tendo a extremidade oeste na margem sudeste do Mediterrâneo, o centro diretamente ao norte da Arábia, e a extremidade leste ao norte do Golfo Pérsico. (193-194)

Sua expressão foi amplamente circulada através de publicações desde então, tornando-se, desde então, na designação comum a essa região. O Crescente Fértil é tradicionalmente associado nas fés Judaica, Cristã e Islâmica como a localização terrena do Jardim do Éden. A área é citada principalmente na Bíblia e no Alcorão, e existem associações a narrativas desses trabalhos em diversos outros lugares.

Representation of the Port of Eridu
Representação do Porto de Eridu
Таис Гило (Public Domain)

Berço da Civilização

Conhecido como o Berço da Civilização, o Crescente Fértil é considerado como o lugar de nascimento da agricultura, urbanização, escrita, comércio, ciência, história e religião organizada e foi inicialmente povoada c. 10000 AEC, quando a agricultura e a domesticação de animais se iniciaram na região. Em 9000 AEC, o cultivo de grãos e cereais estava amplamente difundido, e, em 5000 AEC, a irrigação de plantios agrícolas encontrava-se completamente desenvolvida. Em 4500 AEC o cultivo de ovelhas de lã era amplamente praticado.

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A GEOGRAFIA & CLIMA DA REGIÃO FORAM PROPÍCIOS PARA QUE SOCIEDADES AGRÍCULAS & DE CAÇA-COLETA SE TRANSFORMASSEM EM COMUNIDADES SEDENTÁRIAS.

A geografia e o clima da região foram propícios para que sociedades agrícolas e de caça-coleta se transformassem em comunidades sedentárias na área, já que elas eram capazes de se sustentar da terra. O clima era semiárido, porém a umidade e a proximidade aos rios Tigres e Eufrates (e ao Nilo, mais ao sul), encorajava o cultivo agrícola. Comunidades rurais desenvolveram-se juntamente com avanços tecnológicos em agricultura, e esses avanços, uma vez estabelecidos, seguiram-se da domesticação de animais.

As primeiras cidades começaram a surgir na Mesopotâmia na região da Suméria. Eridu foi a primeira, de acordo com os sumérios, em 5400 AEC, seguida de Uruk e outras. Em c. 4500 AEC, o cultivo de trigo e grãos já era praticado há muito tempo, em adição ao desenvolvimento mais profundo da domesticação de animais. Por volta do ano 3500 AEC, a figura da raça de cachorro conhecida como saluki passou a aparecer regularmente em vasos e outras cerâmicas, como também em pinturas em parede, juntamente a raças como dogue alemão, galgo inglês e mastim.

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O solo incomumente fértil da região encorajou o avanço do cultivo de trigo e também de centeio, de cevada e de leguminosas, e algumas das primeiras cervejas do mundo foram produzidas em grandes cidades ao longo dos rios Tigre e Eufrates, sob a proteção da deusa Ninkasi. A cerveja era considerada um presente dos deuses e uma fonte de nutrição diária, além de ser uma bebida alcoólica. Ela era utilizada para pagar o salário das pessoas, mas inscrições também deixam claro que ela era preparada para motivos comemorativos, e o famoso Hino a Ninkasi enaltece a bebida por fazer o coração ficar leve.

Essa cerveja era bem diferente da versão contemporânea, já que era espessa e deveria ser consumida com um canudo para filtrar resíduos do processo de fermentação. A produção de cerveja provavelmente evoluiu do trabalho do padeiro, já que a cevada e o trigo armazenados fermentavam. A evidência mais antiga de preparação de cerveja vem do entreposto comercial de Godin Tepe, no atual Irã.

Mesopotamian Beer Rations Tablet
Tabuinha Mesopotâmica de Rações de Cerveja
Osama Shukir Muhammed Amin (Copyright)

Trigo-vermelho, cevada, grão-de-bico, lentilha e muitos outros cultivos eram plantados, colhidos e enviados aos templos onde eram armazenados os alimentos. A partir de c. 3400 BCE, os sacerdotes dos complexos de templos eram responsáveis pela distribuição de alimentos e pelo monitoramento cuidadoso do excedente ao comércio.

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Comércio & Império

As rotas comerciais cresceram e possibilitaram viagens de longa distância ao reino de Sabá ao sul da Arábia, ao Egito, e ao reino de Cuxe na África. Ao longo do tempo, esse comércio estabeleceria as então chamadas Rotas do Incenso, que floresceram entre os séculos 7º e 6º AEC e o século 2º EC. As Rotas do Incenso facilitavam trocas interculturais, já que os mercadores carregavam inovações em várias áreas do conhecimento junto com suas mercadorias.

Em 2300 AEC, o sabão era produzido utilizando sebo e cinzas e era amplamente usado, já que a higiene pessoal era valorizada de acordo com o patamar de uma pessoa dentro de sua comunidade e também para honrar aos deuses. A atenção de um indivíduo a si mesmo na questão da higiene era enfatizada já que se acreditava que o seres humanos foram criados como ajudantes dos deuses, e, assim, deveriam manter-se apresentáveis para realizar suas tarefas.

Assim como no Egito, rituais de banho e cuidados pessoais eram especialmente importantes para o clero. Exigia-se dos que serviam aos deuses um padrão maior, mas, até para o trabalhador mais comum, a limpeza e o asseio eram valores importantes. Isso é comprovado por artefatos da região, já que foram encontrados espelhos, frascos de produtos cosméticos, pentes, escovas de cabelo e escovas de dentes assim como descrições artísticas de banhos e inscrições destacando sua importância.

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DE 1900 A 1400 AEC O COMÉRCIO COM EUROPA, EGITO, FENÍCIA & SUBCONTINENTE INDIANO FLORESCIA.

As pessoas da região viviam em cidades-estado urbanas distintas até a ascensão do primeiro império multicultural do mundo: Acádia. De 2334 a 2279 AEC, Sargão da Acádia (Sargão, o Grande) governou a Mesopotâmia, permitindo a ascensão de grandes projetos de construções, de obras de arte, e da literatura religiosa como os hinos a Inanna compostos pela filha de Sargão, Enheduanna (2285-2250 AEC), a primeira autora no mundo com o nome conhecido.

Em 2000 AEC, a Babilônia controlava a Crescente Fértil e a região viu avanços no direito (o famoso Código de Hamurábi), na literatura (a Epopeia de Gilgamés, dentre outros trabalhos), na religião (o desenvolvimento do panteão de deuses babilônicos), na ciência (medidas astronômicas e desenvolvimentos tecnológicos), e na matemática.

De 1900 a 1400 AEC o comércio com a Europa, o Egito, a Fenícia e o subcontinente indiano florescia, resultando na difusão da escrita, cultura e religião a essas regiões. A deusa Nisaba, patrona da escrita, grãos, escrita e sabedoria, tornou-se conhecida e venerada em regiões distantes de sua nativa Suméria. A cerveja mesopotâmica era uma mercadoria valorizada no comércio e muitas das divindades mesopotâmicas mais importantes viajaram a outras regiões seguindo as rotas de comércio.

A Terra Prometida

Especula-se que foi ou em 1900 ou em c. 1750 AEC que o patriarca bíblico Abraão deixou sua cidade nativa de Ur para a 'terra prometida' de Canaã carregando consigo as histórias e lendas dos deuses mesopotâmicos, que, em tempo, apareceriam transformados, como narrativas bíblicas. Se não foi de fato Abraão quem difundiu mitos e lendas mesopotâmicas, certamente foi alguém como ele. São nítidos os paralelos entre histórias como a mesopotâmica Epopeia de Atrahasi e o Dilúvio de Noé, e o Mito de Adapa e a história da Queda do Homem no Livro de Gênesis, dentre muitas outras, compartilham de similaridades expressivas.

Flood Tablet of the Epic of Gilgamesh
Tábua do Dilúvio da Epopeia de Gilgamesh
Osama Shukir Muhammed Amin (Copyright)

Até meados do século 19 EC, a Bíblia era considerada o livro mais antigo do mundo e pensava-se que as histórias que ela continha eram peças originais escritas ou inspiradas por Deus. Entretanto, após escavações arqueológicas na região do Crescente Fértil, e da descoberta da civilização suméria, ficou claro que as narrativas bíblicas foram derivadas de trabalhos mesopotâmicos anteriores. A religião e literatura da Mesopotâmia, de fato, inspiraria e participaria nas de muitas outras culturas posteriores.

Impérios em Mudança

A região trocou de mãos muitas vezes ao longo do tempo. Em 912 AEC os assírios controlaram o Crescente Fértil e desenvolveram seu vasto império. O Império Neoassírio foi governado por alguns dos reis mais conhecidos da antiguidade, incluindo Tiglate Pileser III (745-727 AEC), Sargão II (722-705 AEC), Senaqueribe (705-681 AEC), Assaradão (681-669 AEC), e Assurbanípal (668-627 AEC). Assurbanípal valorizava bastante o conhecimento e determinou que todos os trabalhos literários da região fossem copiados e guardados em sua grande biblioteca.

Quando o Império Neoassírio caiu em 612 AEC, as forças invasoras atearam fogo nas bibliotecas das cidades. Porém, uma vez que os trabalhos eram escritos em placas de argila, eles apenas se endureceram mais, ao invés de serem destruídos. Os invasores, inadvertidamente, foram responsáveis pela preservação da própria cultura que eles buscavam destruir.

Em 580 AEC, o Império Caldeu Neobabilônico, sob Nabucodonosor II (634-562 AEC) estava no poder e a Babilônia prosperou como a maior cidade no mundo. Supostamente, nessa época, Nabucodonosor comandou a criação do famoso Jardim Suspenso da Babilônia para sua esposa, para lembrá-la de sua terra natal. Em 539 AEC, a Babilônia caiu para Ciro, o Grande (d. 530 AEC), depois da Batalha de Opis, e as terras ficaram sob o controle do Império Aquemênida, também conhecido como o Primeiro Império Persa.

Alexandre, o Grande, invadiu a área em 334 AEC e, depois dele, ela foi governada pelo partas, dentre outros, até a chegada de Roma em 116 EC. Após a anexação e ocupação Romana, de curta duração, a região foi conquistada pelo Império Sassânico (c. 226 EC), e, finalmente, pelos árabes muçulmanos no século 7º EC.

Achaemenid Lion Weight
Peso do leão aquemênida
Osama Shukir Muhammed Amin (Copyright)

Até essa época, as gloriosas conquistas das primeiras cidades que cresceram ao longo dos rios Tigre e Eufrates já haviam há muito se disseminado através do mundo antigo, mas as próprias cidades estavam, em sua maior parte, em ruínas, pela destruição causada pelas muitas conquistas militares na região e também por causas naturais como terremotos e incêndios. A urbanização desenfreada e o sobre-uso do solo também resultou no declínio e eventual abandono das cidades do Crescente Fértil.

O NOME DA BABILÔNIA SERIA LIGADO ETERNAMENTE A PECADO & CORRUPÇÃO PELOS POSTERIORES ESCRITORES HEBREUS.

A cidade de Eridu, considerada pelos primeiros mesopotâmios como a primeira cidade no mundo, construída e habitada pelos deuses, foi abandonada desde 600 AEC; Uruk, a cidade de Gilgamés, desde 630 AE; e a Babilônia, cidade conhecia por sua alta cultura, escrita, direito, ciência, e toda a forma de conhecimento no mundo antigo era uma ruína vazia. O nome da Babilônia seria eternamente ligado a pecado e corrupção pelos posteriores escritores hebreus, que escreveram as narrativas bíblicas, mas, em seu tempo, foi grandemente respeitada como um centro de conhecimento e civilização.

A Crescente Fértil Hoje

Em 2001 EC, o portal National Geographic News reportou que o Crescente Fértil estava ficando fértil apenas no nome, já que, devido a mudanças climáticas, ao represamento excessivo dos rios e também a um programa de drenagem massiva iniciado no sul do Iraque desde os anos de 1970 EC, os pântanos férteis que antes cobriam de 15.000 a 20.000 quilômetros quadrados (5.800 a 7.700 milhas quadradas) haviam diminuído a meros 1.500 - 2.000 quilômetros quadrados (580 - 770 milhas quadradas) .

Enquanto apelos de grupos ambientais e agricultores locais para cessar com os projetos de represamento e drenagem eram ignorados pelos governos do Iraque, Síria e Turquia, a situação piorou tanto que, atualmente, a região que antes era um paraíso exuberante e berço da civilização consiste amplamente em planícies rachadas e secas compostas de argila endurecida pelo Sol. A mudança climática, encorajada pela emissão de combustíveis fósseis, tem feito a situação apenas piorar.

Mesmo após ameaças contínuas e duradouras ao meio ambiente tornarem-se claras aos governos locais, nenhum esforço substancial foi feito para preservar a região. Muitos estudiosos, historiadores, ambientalistas e escritores através dos séculos têm observado que os seres humanos fracassam em conseguir aprender com seu passado - seja individual ou coletivamente. O filósofo George Santayana notoriamente descreveu que “aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”, e este paradigma soa tão verdadeiro para o Crescente Fértil quanto para qualquer outra região no mundo hoje.

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Sobre o tradutor

Eric Azevedo
With a Bachelor's degree in Economics at University of Sao Paulo (USP, Brazil), Eric has experience on translating articles and publications, besides having a particular interest in all things related to History, Philosophy and Arts.

Sobre o autor

Joshua J. Mark
Escritor freelance e ex-professor de filosofia em tempo parcial no Marist College, em Nova York, Joshua J. Mark viveu na Grécia e na Alemanha e viajou pelo Egito. Ele ensinou história, redação, literatura e filosofia em nível universitário.

Citar este trabalho

Estilo APA

Mark, J. J. (2018, Março 28). Crescente Fértil [Fertile Crescent]. (E. Azevedo, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-17/crescente-fertil/

Estilo Chicago

Mark, Joshua J.. "Crescente Fértil." Traduzido por Eric Azevedo. World History Encyclopedia. Última modificação Março 28, 2018. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-17/crescente-fertil/.

Estilo MLA

Mark, Joshua J.. "Crescente Fértil." Traduzido por Eric Azevedo. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 28 Mar 2018. Web. 19 Abr 2024.