A Peste nos Mundos Antigo e Medieval

Artigo

Joshua J. Mark
por , traduzido por Jose Monteiro Queiroz-Neto
publicado em 23 Março 2020
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Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol

A palavra “Peste”, definidora de uma epidemia letal, foi criada pelo médico Galeno (*130 +210 d.C.) que testemunhou a Peste Antonina (165 – c.180/190). No entanto, a doença já fora registrada muito tempo antes, como o relato da Peste de Atenas (429–426 a.C), que exterminou a maioria dos habitantes da cidade, incluindo o estadista Péricles (*495-426 a.C.). Essa epidemia, e algumas outras que se seguiram, podem ou não ter sido a Peste verdadeira, como posteriormente definida, pois os escritores antigos, em geral, usavam o termo peste para qualquer surto disseminado de uma doença.

Certamente ocorreram Pestes antes do surto ateniense – e certamente ocorreram – porém a maioria dos estudos da epidemia começou com Atenas, ao ser relatado por uma testemunha ocular e sobrevivente, o historiador Tucídides (*460/455 +399/398 a.C.). As Pestes recebiam rotineiramente o nome tanto da pessoa que a relatou, do monarca à época do surto, da região acometida ou por um epíteto, no caso da Peste Negra.

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The Triumph of Death
O Triunfo da Morte
Museo del Prado (Public Domain)

A maiores Pestes registradas nos mundos antigo e medieval, são:

  • Peste de Atenas
  • Peste Antonina
  • Peste de Cipriano
  • Peste de Justiniano
  • Peste Romana
  • Pestes do Oriente Próximo
  • Peste Negra
  • Epidemias do Intercâmbio Colombiano

Dessas, as Epidemias do Intercâmbio Colombiano não são consideradas Pestes, pois foram um contágio generalizado de Varíola e outras doenças, mas tão letais para os povos indígenas das Américas como foi a Peste em outros lugares. Outras epidemias não consideradas Pestes, mas que devastavam populações eram a Lepra – especialmente durante o século XI na Europa – e a epidemia de Varíola japonesa de 735-737. Epidemias e pandemias continuaram na era moderna e, entre as mais mortais, foram a Gripe Espanhola de 1918-1919 e a epidemia de HIV/AIDS (de 1981 até nossos dias), embora tenham ocorrido muitas outras. À época deste trabalho, a Covid19/Coronavírus está se demonstrando a mais nova adição à lista de uma das mais letais pandemias da história do mundo.

Natureza e Tipos de Peste

antes do século XIX, a peste era tida como de origem sobrenatural, uma punição dos deuses ou de deus, como resultado dos pecados da população.

A causa da Peste era desconhecida até o século XIX quando a bactéria Yersinia pestis foi identificada e isolada em 1894. Antes, imaginava-se que a Peste possuía uma origem sobrenatural, uma punição dos deuses ou de Deus, e/ou o resultado dos pecados dos homens. O agente causador, a Yersinia pestis, presente nas pulgas dos roedores, maioria da vezes, ratos, as quais transmitiam a bactéria aos humanos pelas picadas. Outros animais podiam transmitir a Peste alimentando-se de ratos – ou outros roedores – infectados, levando a um surto epizoótico e daí transmitindo aos humanos. As pessoas morriam de Peste devido à natureza tóxica da Yersinia pestis que comprometia o sistema imunológico, quando de sua multiplicação no corpo da pessoa. Comprometido o sistema imunológico, o corpo não mais conseguia combater outras infecções e toxinas, levando o indivíduo à morte.

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A Peste é sempre descrita como iniciando-se com sintomas semelhantes a um resfriado comum, aparecendo, em geral, 3-7 dias após o indivíduo ser infectado. Inicialmente a pessoa queixa-se de calafrios, dores musculares, febre e uma fraqueza generalizada, progredindo para vômitos, diarréia, desidratação, insuficiência respiratória (em alguns casos) e morte. Os três tipos de Peste são:

  • Bubônica: causada pela picada de uma pulga portadora da bactéria. Neste caso há um ataque aos gânglios linfáticos, que se tornam inflamados e edemaciados, recebendo o nome de bubões, daí o nome bubônica.

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  • Septicêmica: produzida tanto pela pulga portadora da bactéria ou contato com um animal infectado. A Yersinia alcança o sangue e se multiplica.

  • Pneumônica: causada por contato com animal infectado ou de pessoa-a-pessoa pela tosse. Ataca os pulmões, multiplicando-se rapidamente, disparando uma resposta imune que leva ao colapso pulmonar e morte por insuficiência respiratória.

Importante observar que muitas outras doenças podem apresentar uma evolução semelhante, como nos surtos de Varíola ou Tifo.

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Peste de Atenas (429-426 a.C.)

A Peste de Atenas (número de mortos: 75.000-100.000) chegou vinda do porto de Pireus, provavelmente em 430 a.C. e irrompeu pela cidade em 429 a.C. Tucídides escreve:

Dizem que surgiu, previamente, em muitos lugares, na região de Lemnos e alhures, mas não existe nenhum relato anterior a respeito de uma tão grande pestilência e destruição da vida humana. Os médicos foram incapazes de enfrentá-la, pois a estavam tratando pela primeira vez e com total desconhecimento. De fato, quanto mais entravam em contato com os enfermos, mais ficavam expostos a perderem a própria vida. (III.81; Grant, 77)

Atenas estava envolvida na Segunda Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.) contra Esparta e o general e estadista Péricles havia recentemente ordenado uma retirada para dentro das muralhas atenienses. Os quarteirões próximos, agora com uma população inflada, significavam que, uma vez a Peste entrando na cidade, não haveria espaço para quarentena dos doentes, disseminando-se rapidamente.

Plague in an Ancient City
A Peste em uma Cidade Antiga
Los Angeles County Museum of Art (Public Domain)

Os sintomas incluíam febre, espirros, dor de garganta, respiração muito difícil, tosse violenta, dor torácica, insônia e convulsões. Muitas pessoas se encontravam em boa saúde quando a Peste atacava e a morte acontecia em dez dias após os primeiros sintomas. A febre era tão prolongada e intensa que as pessoas não toleravam as roupas e queriam água constantemente, mas não conseguiam nem segurar o copo. Qualquer um que se dispusesse a ajudar morria rapidamente, o que levava as pessoas a abandonarem os doentes e procurar somente seus próprios interesses. Tucídides descreve uma completa ruptura das leis e o abandono das práticas religiosas:

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Ninguém estava disposto a insistir em se esforçar por algo que seria considerado um resultado honroso, pois não havia certeza de que se poderia desfrutar de tal honra. O que era agradável no curto prazo, e o que era propício para isso, era aceito como honorável e útil. Nenhum temor aos deuses ou às leis dos homens possuía algum poder de repressão, pois não havia nenhuma diferença se alguém fosse devoto ou não, pois todos iriam igualmente morrer. Ninguém esperava viver tempo suficiente para cumprir pena por seus erros e as pessoas pensavam sempre que uma sentença de morte já se encontrava decidida para eles e que, antes que fosse executada, poderiam conseguir algum prazer da vida. (III.83; Grant, 79)

Apesar de tudo, as pessoas que sobreviveram à doença – e que ficaram imunes a ela – devotavam-se a assistir outros ainda doentes. A Peste matou muitos dos mais importantes cidadãos atenienses, inclusive Péricles entre eles, e afetou o resultado da guerra. Com tantos mortos e a cidade significativamente enfraquecida, Atenas tentou manter o esforço de guerra e finalmente foi derrotada por Esparta.

Peste Antonina (165-c.180/190 d.C)

A Peste Antonina (número de mortos: 5 milhões) devastou o Império Romano com governo, na época, compartilhado entre Marco Aurélio (rein. 161-180 d.C.) e Lúcio Vero (rein. 161-169 d.C.), e foi assim denominada devido à família de Aurélio de nome Antoninos. Apareceu pela primeira vez no exército romano durante o sítio da cidade de Selêucia, no inverno de 165-166 d.C. e espalhou-se após estas tropas retornarem para Roma ou ficarem estacionadas em outros lugares.

os estudiosos modernos consideram que a peste antonina originou-se na china e se disseminou para o ocidente ao longo da rota da seda.

Os sintomas, como descrito por Galeno, tinham início com febre e incluíam diarréia, lesões na pele, faringite (dificuldade para engolir), acompanhando uma garganta dolorida e edemaciada, sede intolerável, tosse e vômitos. Os pacientes morriam ou se recuperavam em duas semanas. Estudiosos modernos acham que a doença teve origem na China e espalhou-se ao longo da Rota da Seda para cidades como Ctesiphon e Selêucia, as quais eram importantes ligações de comércio com acesso direto aos fornecedores chineses. As pessoas da época, no entanto, interpretavam a epidemia como uma punição pelos pecados, com várias histórias circulando atribuindo-a à culpa das pessoas.

De acordo com o historiador Dion Cássio (*c.155-c.235 d.C.), a doença matava mais de 2.000 pessoas por dia e matou tanto Lúcio Vero (em 169 d.C.), como Marco Aurélio (em 180 d.C.). Aurélio culpou os cristãos pela Peste, justificando que os cristãos haviam irritado os deuses, ao se recusarem a participar da religião do estado e passou a persegui-los. Os cristãos, no entanto, tornaram-se os primeiros cuidadores daquela época, assistindo aos pacientes sem se preocuparem com a própria saúde, o que resultou em uma grande conversão ao cristianismo.

The Plague by Arnold Bocklin
A Peste, por Arnold Bocklin
Arnold Böcklin (Public Domain)

A Peste Antonina rotineiramente é citada como dando início à desestabilização do Império Romano. Se isso for aceito, não há como duvidar que a Peste alterou completamente a dinâmica da sociedade romana. O exército encontrava-se enfraquecido pela imensa perda de tropas e os novos recrutas, convocados entre as tribos germânicas, não possuíam o mesmo nível de lealdade ao Império. Os gladiadores morriam tão facilmente como qualquer pessoa e havia pouquíssimos jogos, resultando em desassossego público que, junto com o abandono pelas pessoas das práticas religiosas tradicionais a favor do cristianismo, rompeu a coesão social. Os fazendeiros ficaram incapazes de produzir safras, artesãos não mais se encontravam vivos para produzirem bens e o imenso número de mortes levou a economia a chegar perto da falência.

Peste de Cipriano (250-266 d.C.)

A Peste de Cipriano (número de mortos: 5.000 pessoas/dia) recebeu este nome de São Cipriano (+ 258 d.C.), o religioso que a relatou. Ao contrário de Galeno, Cipriano não era médico, porém apresenta uma imagem vívida do progresso da doença e seus efeitos. O primeiro sintoma, como nas epidemias anteriores, era a febre, seguida por fraqueza geral ou fadiga, dor e edema da garganta, perda da audição, diarréia, vômitos e, possivelmente, infecção ocular. Os especialistas atuais sugeriram que a epidemia pode ter sido Peste Bubônica, Cólera ou Tifo, mas também Varíola.

Esse surto é também considerado como originado na China e que caminhou ao longo da Rota da Seda até Alexandria e, daí, para Roma. O Império já se encontrava enfraquecido durante a Crise do Século III (235-284), quando não havia uma forte liderança central os “imperadores da caserna” assumiam o poder pela força de suas ligações com os militares e caíam rapidamente, quando não podiam cumprir o que haviam prometido. Os registros feitos nessa época eram pobremente mantidos e não existe oficialmente o número de mortos, existindo somente uma estimativa de 5.000 mortos por dia, derivada do comunicado de Cipriano e de esparsos relatos da época.

Victims of Cyprian plague
Vítimas da Peste de CIpriano
N. Cijan (CC BY-NC-SA)

Do mesmo modo com a Peste Antonina, os cristãos ficaram como os principais cuidadores dos doentes, o que fortaleceu mais ainda a religião. Os Imperadores Hostiliano (rein. 251 d.C.) e Claudius Gothicus (rein.268-270 d.C.) ambos morreram, bem como muitos do clero pagão, o que deixou, predominantemente, os clérigos cristãos para explicar a causa da doença em termos cristãos. A Peste, mais tarde, enfraqueceu o exército e a economia romanos, pois mais soldados morreram do que na Peste Antonina. Outro complicador foi a perda de fazendeiros, ficando a produção dos campos apodrecendo no solo.

Peste de Justiniano (541-542 e Posteriormente)

Embora as datas da Peste de Justiniano (número de mortos: 50 milhões) sejam, rotineiramente, dadas como 541-542 d.C., a pior fase, a epidemia continuou bastante tempo depois, finalmente desaparecendo em c.750. Constitui ela o primeiro caso completamente documentado de Peste, como a causada pela Yersinia pestis, no mundo. A doença recebeu esse nome devido ao monarca do Império Bizantino, Justiniano I (527-565) e foi primeiramente documentada pelo historiador Procópio (*500 +565), que descrevia muitos eventos do reinado de Justiniano I.

Esta Peste, considerada a mais devastadora da época, também é tida como originada na China, aportando na Índia via Rota da Seda e, daí, para o Ocidente. Constantinopla, a capital do Império Bizantino, era outra cidade – como Selêucia e Ctesiphon – que servia como grande entreposto comercial e ligação entre o Leste e o Oeste. Procópio relata um inverno com frio incomum, que arruinou as colheitas, e fez as pessoas das regiões rurais migrarem para cidades como Constantinopla à procura de abrigo e assistência e, junto com a migração, vieram os ratos, que encontraram abrigo nas carretas de suprimentos.

Rats in A Plague Tale: Innocence
Ratos em um Conto da Peste: Inocência
Jan van der Crabben (CC BY-NC-SA)

As pessoas, inicialmente, apresentavam febre e fraqueza, antes do aparecimento dos bubões em voltas dos ouvidos, nas axilas e virilha. Procópio relata pessoas com alucinações antes de entrarem em coma e morte, tudo dentro de uma semana após contraírem a doença. A causa da Peste, segundo Procópio, foi o incompetente reinado de Justiniano I, que Deus estava punindo, junto com seu povo. Justiniano I caiu doente, porém recuperou-se, enquanto milhares desapareceram.

a única ação efetiva que reduziu a disseminação da doença foi a quarentena dos doentes, o que é hoje conhecido como distanciamento social.

Especialistas modernos acreditam que, junto com a transmissão ao longo da Rota da Seda, a Peste se disseminou através dos trens de suprimento do exército de Justiniano I, levando junto os ratos de volta a Constantinopla. O povo da época, no entanto, não tinha ideia da causa da doença e, portanto, nenhum conceito de como tratar a Peste, apoiando-se principalmente em orações e amuletos protetores. A única ação efetiva que diminuía a disseminação da doença era a quarentena dos doentes e que, hoje em dia, é conhecida como distanciamento social. O Império sobreviveu à Peste, mas muito debilitado, perdendo aproximadamente 25% de sua população.

Peste Romana (590)

A Peste Romana (sem número de mortos disponível) foi uma continuação da Peste de Justiniano, porém agora localizada em Roma. Como a Peste de Justiniano, parece que foi uma combinação da Peste Bubônica, Septicêmica e Pneumônica, com prevalência da bubônica.

A epidemia também foi interpretada como uma punição de Deus e o Papa Gregório, o Grande, (*540 +604) decretou que ela somente poderia ser interrompida por meio de procissões penitenciais por toda a cidade, implorando misericórdia por meio da intercessão da Virgem Maria. Essas procissões acabaram por colocar em um significativo número de pessoas em contato regular, disseminando ainda mais a infecção. Relatos da época descrevem as pessoas desmaiando e morrendo durante a participação nas procissões. Mesmo assim, as procissões continuaram e, quando a Peste se foi, as pessoas consideravam que haviam conseguido apaziguar a ira de Deus.

Pestes no Oriente Próximo (562-749)

As Pestes do Oriente Próximo são, em geral, consideradas nas discussões da Peste de Sheroe (627-628) que matou o monarca sassânida Kavad II (rein. 628), cujo nome de nascimento era Sheroe. A Peste já se encontrava presente na região há mais de cem anos e é considerada como um prolongamento da Peste de Justiniano. Quando se iniciou em 562, o número de mortos na cidade de Amida foi dado como de 30.000 e o surto de 688-689 levou 200.000 vidas em Basra em três dias.

Three Doctors Attend a Man with the Plague
Três Médicos Atendem um Homem com a Peste
Historical Medical Library of The College of Physicians of Philadelphia (CC BY-NC-SA)

Esta Peste apareceu em fases, algumas mais graves que outras e novamente atribuída à irritação de Deus devido aos pecados da humanidade. A atitude que as pessoas assumiam é desconhecida, porque existem muito poucas fontes existentes. O estudioso Peter Christensen comenta:

Possuímos muito pouca informação detalhada da evolução da pandemia (na região). Sobreviveram poucos relatos da época. No século IX, quando a Peste havia finalmente desaparecido, estudiosos em Basra escreveram breves sumários a respeito da história da doença. Embora considerada altamente respeitáveis por historiadores muçulmanos posteriores, estes “Livros da Peste” são, de fato, incompletos. (81)

É por esta razão que os historiadores, em geral, se voltam somente para a Peste de Sheroe, pois seus efeitos, pelo menos, encontram-se mais bem documentados. Kavad II começou seu reinado ao ter seu irmão, seus irmãos de criação e seus meios-irmãos assassinados, para não desafiar sua pretensão ao trono. Após eliminar todo e qualquer legítimo sucessor, ele reinou somente uns poucos meses antes de encontrar a morte pela Peste. A única pessoa sobrevivente e que poderia sucedê-lo era seu filho de sete anos de idade, Ardashir III (rein. 628-629), controlado por um regente e rapidamente destronado, colocando em movimento a instabilidade que contribuiu para o colapso do Império Sassânida.

Peste Negra (1347-1352)

A Peste Negra (número total de mortos estimado em 30 milhões) é a mais conhecida de todas as Pestes da história, matando cerda de 30-50% da população da Europa. Embora esta epidemia tenha sido identificada como Peste Bubônica, os outros dois tipos também se encontravam presentes. Como nos surtos anteriores, os sintomas começavam com uma febre, dores pelo corpo e adinamia antes do aparecimento dos bubões na virilha, axilas e em volta das orelhas, sendo seu nome devido aos bubões negros. As pessoas, em geral, morriam dentro de três dias a partir da infecção.

Esta Peste é também conhecida como tendo originado na Ásia e chegando à Europa, mais provavelmente, através da Sicília, via navios mercantes genoveses vindos do Leste, infestados de ratos e suas pulgas (embora os historiadores também citem a Rota da Seda, por terra, como uma provável fonte de transmissão). Os navios genoveses constituem a mais provável, pois está documentado que um deles aportou em Marselha e Valência, disseminando a doença para ambas as cidades. Dentro de dois anos, Bretanha, França e Espanha encontravam-se em choque pela doença e o comércio acabou levando-a, mais tarde, para a Irlanda. Por volta de 1530, havia se disseminado para a Alemanha, em seguida a Escandinávia e a Rússia.

Citizens of Tournai Bury Their Dead
Cidadãos de Tournai Enterram os Seus Mortos
Pierart dou Tielt (Public Domain)

Esta Peste também foi atribuída à ira de Deus, ao demônio e à pecaminosidade da humanidade e o tratamento centralizava-se em ritos religiosos e cumprimento de normas. Certos grupos marginalizados foram também responsabilizados e aumentaram os pogroms contra judeus. No porto de Ragusa (atual Dubrovinik, Croácia), no entanto, que se encontrava controlada por Veneza, as autoridades assumiram outra abordagem, muito mais efetiva. Instituíram uma lei estabelecendo um período de 30 dias de isolamento, para os navios vindos de áreas afetadas pela Peste, o que era conhecido como trentino (30 dias). Ninguém podia visitar esses navios durante o período de 30 dias e ninguém dos navios podia desembarcar. Ragusa fora atingida gravemente pela Peste em 1348 e parece ter sido a primeira a instituir medidas para impedir a propagação.

as consequências da epidemia foram amplas pois transformaram quase completamente a sociedade medieval da europa.

Esta prática acabou sendo adotada por outras cidades em diferentes regiões, expandindo-a para navios e cidades e ampliando o período para 40 dias sob a lei de quarantino (40 dias), raiz para a palavra quarentena. Qualquer pessoa que quebrasse a quarentena era multada e colocada em isolamento, mas os ricos quebravam essa lei comprando sua desobediência e outros simplesmente a ignoravam e a doença continuou a se disseminar por intermédio das pessoas que não podiam ser mantidas em isolamento.

As consequências da epidemia foram tão extensas que quase transformou completamente a sociedade medieval européia. O sistema feudal e a instituição da servidão – que prendia o trabalhador pobre às terras do rico senhor – já não mais podia ser mantida, pois tantas pessoas haviam morrido, que as pessoas que ainda poderiam trabalhar exigiam maior autonomia e pagamento. Os direitos das mulheres melhoraram, pois muitas haviam perdido seus maridos, proprietários de terras, e filhos e puderam manter o controle de suas propriedades e negócios. Uma notável consequência foi o desvio do foco em Deus e céus para a humanidade e a vida na terra, que poderia, ao final, dar origem à Renascença.

Intercâmbio Colombiano (1492-1550)

O Intercâmbio do Novo Mundo é o termo atual para a transferência de cultura, povo e tecnologia entre a Europa e o denominado Novo Mundo, após a expedição de Cristóvão Colombo de 1492. O intercâmbio também trouxe a epidemia de Varíola (e outas doenças) que mataram cerca de 80-90 % da população indígena das Américas, a qual não possuía imunidade contra as doenças européias. As epidemias que varreram toda a população em 1520 e, novamente, entre 1545-1548, esvaziou povoados e cidades e contribuiu para a queda dos Impérios Azteca e Inca.

17th-century Depiction of Plague Doctor
Imagem do século XVII de médico da Peste
Paul Fürst (Public Domain)

Junto com a Varíola, os europeus também trouxeram o tifo, Sarampo, febre amarela e, possivelmente, Sífilis. Essas doenças, junto com as campanhas militares levadas a efeito contra os nativos americanos pelos europeus, objetivando controlar terras e recursos, impactaram gravemente a cultura nativa americana. A população de certas tribos e regiões foi tão gravemente reduzida, que a colonização foi feita mais facilmente e os europeus vieram a controlar a terra anteriormente habitada pelos nativos.

Conclusão

Pestes continuaram a desestabilizar e reduzir as populações nos tempos modernos. A pior de todas foi a Gripe Espanhola de 1918 (assim chamada porque foi primeiramente relatada na Espanha, não porque a Espanha tenha sido a fonte da pandemia). O número de mortos é estimado entre 50-100 milhões no mundo todo, transformando-as na mais mortal das epidemias na história do mundo. Foram propostas várias teorias para identificar sua origem, mas, ao que parece, originou-se em um acampamento do exército americano no Kansas, USA, e espalhou-se daí pelas tropas mobilizadas para a WWI, que desembarcaram em Brest, na França. Seguiram-se outras epidemias por todo o século XX, um notável exemplo sendo a infecção HIV/AIDS, que matou 35 milhões de pessoas desde o momento em que foi identificada na metade dos anos 1980.

Esses dois surtos tiveram uma causa em comum: a indiferença da população em considerar a gravidade da doença até que fosse tarde e a incapacidade dos governos em responder com medidas eficazes no tempo certo. Antes do conhecimento da teoria bacteriana, é compreensível que as pessoas interpretassem a Peste em termos da ideologia religiosa prevalente, mas, nos tempos modernos, a ineficiência dos governos e a incapacidade das populações em responderem rapidamente com medidas práticas permanecem desorientadoras.

Após o surto da Gripe Espanhola de 1918, a eficiência da quarentena ficou completamente reconhecida. As cidades que decretaram os confinamentos (lockdowns) impediram a disseminação da doença. Mesmo assim, na época que agiram, mais pessoas haviam sido infectadas e mais morreram, pois ajudaram ainda mais a propagar a doença por ignorarem as políticas governamentais a respeito do distanciamento social, o que constitui um paradigma ainda atual com a pandemia do Covid-19.

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Sobre o tradutor

Jose Monteiro Queiroz-Neto
Monteiro é um pediatra aposentado interessado na história do Império Romano e da Idade Média. Tem como objetivo ampliar o conhecimento dos artigos da WH para o público de língua portuguesa. Atualmente reside em Santos, Brasil.

Sobre o autor

Joshua J. Mark
Escritor freelance e ex-professor de filosofia em tempo parcial no Marist College, em Nova York, Joshua J. Mark viveu na Grécia e na Alemanha e viajou pelo Egito. Ele ensinou história, redação, literatura e filosofia em nível universitário.

Citar este trabalho

Estilo APA

Mark, J. J. (2020, Março 23). A Peste nos Mundos Antigo e Medieval [Plague in the Ancient & Medieval World]. (J. M. Queiroz-Neto, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1528/a-peste-nos-mundos-antigo-e-medieval/

Estilo Chicago

Mark, Joshua J.. "A Peste nos Mundos Antigo e Medieval." Traduzido por Jose Monteiro Queiroz-Neto. World History Encyclopedia. Última modificação Março 23, 2020. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-1528/a-peste-nos-mundos-antigo-e-medieval/.

Estilo MLA

Mark, Joshua J.. "A Peste nos Mundos Antigo e Medieval." Traduzido por Jose Monteiro Queiroz-Neto. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 23 Mar 2020. Web. 27 Abr 2024.