A Escravidão no Mundo Romano

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 01 Novembro 2013
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Disponível noutras línguas: Inglês, holandês, francês, italiano, espanhol

A escravidão era uma característica onipresente no mundo romano. Os escravos trabalhavam nos serviços domésticos, agricultura, minas, exército, oficinas, construção e muitos outros serviços. Eles perfaziam cerca de uma em cada três pessoas na Itália ou uma em cada cinco em todo o império e, sobre esta fundação de trabalho forçado, construiu-se todo o edifício do estado romano.

A Escravidão como um Fato Consumado

A escravidão, ou seja, o completo domínio (dominium) de um indivíduo sobre outro, estava tão arraigada na cultura romana que os escravos ficavam quase invisíveis e não havia nenhum sentimento de injustiça nesta situação por parte dos governantes. A desigualdade de poder, liberdade e o controle de recursos eram fatos da vida e recuavam até os tempos mitológicos, nos quais Júpiter provocara a queda de Saturno. Como K. Bradley coloca de forma eloquente, “liberdade [...] não era um direito de todos, mas um privilégio seletivo” (Potter, 627). Além disso, acreditava-se que a liberdade de alguns só ocorria por causa da escravidão de outros. Portanto, ela não era considerada pelos cidadãos romanos como um mal, mas sim uma necessidade. O fato de que escravos provinham do lado perdedor das batalhas (com sua prole subsequente) trazia também uma justificativa útil, numa confirmação da superioridade cultural (percebida) de Roma e do direito divino de governar outros povos e explorar tais pessoas por nenhum outro propósito específico.

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À parte as enormes quantidades de escravos amealhados como prisioneiros de guerra (por exemplo, 75.000 somente da Primeira Guerra Púnica), havia outras fontes de tráfico humano, tais como a pirataria, comércio, banditismo e, é claro, a prole dos próprios cativos, pois uma criança nascida de mãe em cativeiro (vernae) automaticamente ganhava esta condição, independente de quem fosse o pai. Os mercados de escravos proliferavam, um dos mais notórios talvez sendo o da ilha de Delos, continuamente suprido por piratas cilicianos. Tais mercados também existiam nas maiores cidades, no entanto, e neles, em geral numa praça pública, os cativos desfilavam com placas em torno do pescoço, que faziam propaganda de suas qualidades para atrair possíveis compradores. Os comerciantes especializados como, por exemplo, um certo Caprélio Timóteo, faziam negócios por todo o Mediterrâneo.

Map of the Roman Empire in 125 CE
Mapa do Império Romano em 125 d.C.
Andrei Nacu (Public Domain)

A Condição dos Escravos

O número e a proporção de escravos na sociedade variavam com o tempo e lugar - por exemplo, na Itália dos tempos de Augusto, o percentual chegava tão alto quanto 30% do total da população, enquanto no Egito romano mal alcançava 10%. Embora a propriedade de escravos fosse mais amplamente disseminada do que no mundo grego, permanecia uma prerrogativa dos relativamente ricos. Um modesto empresário romano, um artesão ou militar veterano talvez possuíssem um ou dois, enquanto no caso dos mais abastados estes números poderiam se elevar às centenas. Por exemplo, no século I d.C., o prefeito L. Pedânio Segundo tinha 400 escravos exclusivamente para sua residência.

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Os escravos compunham a classe mais baixa da sociedade e até mesmo os criminosos libertados tinham mais direitos. De fato, não dispunham de absolutamente nenhum direito, inclusive status legal ou individualidade. Não podiam criar relações ou famílias, nem possuir propriedades. Para todos os fins e propósitos, limitavam-se a ser a propriedade de alguém, assim como quaisquer outras posses – fossem um prédio, uma cadeira ou um vaso –, com a única diferença de que podiam falar. O único período em que havia algo semelhante à igualdade entre todas as pessoas na sociedade romana era o festival da Saturnália quando, por uns poucos dias, os escravos dispunham de algumas liberdades geralmente vetadas a eles.

Para muitos na elite romana, representavam um símbolo de status e, portanto, quantos mais (e de preferência exóticos) alguém tivesse, melhor, de forma que os mais ricos com frequência apareciam em público acompanhados por comitivas de até 15 escravos.

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As Funções dos Escravos

O trabalho escravo aparecia em todas as áreas da vida romana, com exceção dos cargos públicos. Além disso, escravos e homens livres com frequência se misturavam, pois os empregadores usavam quaisquer recursos humanos disponíveis e necessários para concluir uma tarefa. Se não fosse possível encontrar escravos suficientes ou houvesse necessidade de habilidades que somente o trabalho pago pudesse resolver, então trabalhadores e escravos atuariam juntos. No setor agrícola, tal mistura acontecia com bastante frequência, já que se tratava de um trabalho sazonal e, assim, no período de colheita, trabalhadores pagos suplementavam a equipe de escravos, pois a manutenção de uma força de trabalho tão considerável durante todo o ano não seria economicamente viável.

O trabalho escravo aparecia em todas as áreas da vida romana, com exceção dos cargos públicos.

Os escravos, então, eram empregados por particulares ou pelo estado e usados na agricultura (especialmente nos setores de grãos, vinhedos e oliveiras), em minas (especialmente de ouro e prata), manufaturas, transporte, educação (onde traziam seu conhecimento especializado sobre filosofia e medicina para o mundo romano), exército (principalmente como carregadores e assistentes de campo), serviços (desde alimentação até contabilidade), no âmbito doméstico, na indústria da construção, em projetos de estradas, em banhos públicos e até para realizar certas tarefas em rituais de cultos.

O grupo dos escravos agrícolas (vincti) era provavelmente um dos piores, pois geralmente ficavam confinados em barracões (ergastula) em condições precárias, semelhantes a uma prisão, e com frequência acorrentados. A cidade de Pompeia revelou tais grupos de trabalhos acorrentados juntos na morte, assim como estiveram em vida. Outros restos mortais do sítio também mostraram sinais de artrite crônica e distorção dos membros, que só poderiam ter ocorrido em condições extremas de excesso de trabalho e desnutrição.

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Conquistando a Liberdade

Havia, pelo menos para uma pequena minoria, a possibilidade de alcançar a liberdade para se tornar um liberto ou liberta, um incentivo bastante explorado pelos proprietários. Que este tipo de alforria acontecia é atestado por muitas referências antigas aos libertos, tanto na literatura quanto na arte. O proprietário às vezes concedia a liberdade mas, na maioria dos casos, ela acabava sendo comprada pelos próprios escravos, o que permitia ao antigo dono recompor sua força de trabalho. A libertação podia ser absoluta ou limitada, incluindo certas obrigações com o antigo senhor, tais como direitos de herança ou o pagamento de uma parte (statuliber) de seus ganhos (peculium). O escravo libertado em geral tomava os primeiros dois nomes de seu antigo proprietário, ilustrando que a alforria era rara, pois o nome familiar tinha grande importância na sociedade romana e, assim, somente os indivíduos mais confiáveis teriam a permissão de “usá-lo”.

Não havia limitação de direitos das crianças de uma liberta (embora seu status social fosse afetado em termos de reputação). Além disso, antigos escravos podiam se tornar cidadãos (especialmente a partir do período de Augusto) ou mesmo possuir seus próprios escravos. Um exemplo famoso foi o liberto C. Cecílio Isidoro, que com o passar do tempo amealhou mais de 4.000 escravos. Este preço da liberdade e integração de volta à sociedade também representava um argumento utilizado pelos senhores para convencer os escravos dos benefícios do trabalho duro e da obediência.

Rebeliões de Escravos

Há algumas evidências de que os escravos receberam melhor tratamento durante o período imperial, já que menos guerras resultavam em menor suprimento de prisioneiros. Em consequência, o valor dos cativos aumentou e reconheceu-se que o tratamento áspero seria contraprodutivo, o que gerou inclusive a aprovação de leis contra os proprietários excessivamente cruéis. Porém, em termos práticos, pode-se imaginar que os senhores tinham liberdade de tratar sua propriedade como achassem melhor e a única restrição efetiva era o desejo de manter o valor de seu bem e não provocar reações drásticas e coletivas entre os escravizados. De fato, escreveram-se tratados aconselhando sobre métodos eficazes de administração dos escravos - qual a melhor alimentação e vestimenta, técnicas efetivas de motivação (por exemplo, períodos de folga ou alimentação reforçada) e como criar divisões entre os escravos, evitando que formassem grupos descontentes perigosos.

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Algumas vezes, no entanto, estes planos cuidadosos e estratégias mostravam-se ineficazes e os escravos podiam se voltar contra seus senhores. Sem dúvida, os mais famosos exemplos de tais insurreições foram as lideradas por Euno, na Sicília, em 135 a.C., e Espártaco, na Itália meridional, em 73 a.C., mas os escravos podiam protestar contra sua sorte na vida de modos muito mais sutis, tais como trabalhando lentamente, roubando, vadiando e promovendo sabotagens. Não temos registros do ponto de vista dos escravos, mas não é difícil imaginar que, defrontando-se com os riscos pessoais e as relações que pudessem ser desenvolvidas, não havia muito o que eles pudessem fazer para alterar sua sorte além de esperar que um dia a liberdade pudesse ser conquistada legitimamente.

A Revolta de Espártaco, então, tornou-se um caso incomum e espetacular. Não foi uma tentativa de derrubar todo o sistema de escravidão, mas antes disso as ações de um grupo descontente e desejoso de assumir o risco de lutar pela própria liberdade. Gladiador trácio que serviu no exército romano, Espártaco liderou a rebelião que começou numa escola especializada na formação destes lutadores em Cápua. Suplementando seus números com escravos do campo circundante (e mesmo alguns trabalhadores livres), mobilizou-se um exército que chegou a números entre 70.000 e 120.000 pessoas. De maneira surpreendente, as forças dos escravos derrotaram sucessivamente dois destacamentos romanos em 73 a.C. Então, em 72 a.C., Espártaco derrotou os cônsules daquele ano e seguiu seu caminho para a Gália Cisalpina. Ele pode ter tido a intenção de se dispersar neste ponto mas, com seus comandantes preferindo continuar a pilhar a Itália, retornou então para o sul. Novas vitórias aconteceram mas, após Espártaco ser enganado por piratas que haviam prometido transporte para a Sicília, a rebelião acabou sendo esmagada por Marco Licínio Crasso, na Lucânia, em 71 a.C. Espártaco caiu na batalha final e os cerca de 6.000 sobreviventes foram crucificados, numa clara mensagem aos escravos romanos: qualquer tentativa de conquistar a liberdade através da violência seria fútil.

Conclusão

Todo o estado romano e seu aparato cultural foi, portanto, construído pela exploração de uma parte da população em favor da outra parcela. Considerados como nada mais do que uma mercadoria, qualquer tratamento adequado que um escravo recebia tinha como motivação principal preservar seu valor como trabalhador e propriedade para o caso de uma futura venda. Sem dúvida, alguns senhores de escravos comportavam-se de maneira mais generosa do que outros e havia, em alguns poucos casos, a possibilidade de ganhar a liberdade, mas a dura realidade da vasta maioria dos escravos romanos era certamente pouco invejável.

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Perguntas e respostas

Como os romanos justificavam a escravidão?

Os romanos não pensavam na escravidão como uma coisa negativa e, portanto, não viam razão para justificá-la. Era consequência da conquista de uma cultura e consideravam-se as pessoas como presas de guerra como quaisquer outras. Ideologicamente, a desigualdade de poder, a liberdade e o controle de recursos eram fatos da vida e iam até os tempos mitológicos, nos quais Júpiter provocara a queda de Saturno. Não se via a liberdade como um direito de todos. De fato, os romanos acreditavam que somente se algumas pessoas fossem escravas eles podiam ser livres.

Os escravos romanos eram de quais nacionalidades?

Os escravos romanos vinham de todas as partes do mundo conhecido, seja porque fossem habitantes de territórios conquistados ou porque eram vendidos por intermediários espalhados pelo império.

Quais eram os direitos dos escravos romanos?

Os escravos romanos eram vistos meramente como propriedade de seus senhores, que faziam com eles o que lhes aprouvessem. Não tinham nenhum direito, muito menos status legal ou individualidade. Não podiam criar relações ou famílias, nem possuir propriedades.

A escravidão causou a queda do império romano?

A escravidão não causou o colapso do império romano. O império Romano do Ocidente caiu por muitas razões e estas incluem derrotas militares; descontentamento interno; divisão do império em duas partes, o que prejudicou o ocidente; ataques de culturas externas; e declínio econômico.

Bibliografia

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Ricardo é um jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é autor, pesquisador, historiador e editor em tempo integral. Seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações compartilham. Ele possui mestrado em Filosofia Política e é diretor editorial da WHE.

Citar este trabalho

Estilo APA

Cartwright, M. (2013, Novembro 01). A Escravidão no Mundo Romano [Slavery in the Roman World]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-629/a-escravidao-no-mundo-romano/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "A Escravidão no Mundo Romano." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação Novembro 01, 2013. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-629/a-escravidao-no-mundo-romano/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "A Escravidão no Mundo Romano." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 01 Nov 2013. Web. 27 Abr 2024.