Povos do Mar

Definição

Joshua J. Mark
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 02 Setembro 2009
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Disponível noutras línguas: Inglês, francês, grego, italiano, Persa, sérvio, espanhol, Turco
The Late Bronze Age Collapse c. 1200 - 1150 BCE (by Simeon Netchev, CC BY-NC-SA)
O Colapso do Final da Era do Bronze, c. 1200-1500 a.C.
Simeon Netchev (CC BY-NC-SA)

Os Povos do Mar eram uma confederação de invasores navais que saquearam povoados costeiros e cidades da região do Mediterrâneo entre c. 1276-1178 a.C., concentrando seus esforços especialmente no Egito. São considerados como uma das principais causas do Colapso da Era do Bronze (c. 1250 - c. 1150 a.C.) e, anteriormente, como seu fator primordial.

A nacionalidade dos Povos do Mar permanece um mistério, pois os registros existentes de suas atividades provêm de fontes egípcias, que só os descrevem em relação às batalhas, como ocorre na Estela de Tanis, onde se lê, em parte, “Eles vieram do mar em seus navios de guerra e ninguém pode se opor a eles.” Trata-se de uma descrição típica das referências egípcias a estes misteriosos invasores.

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Nos registros egípcios, os nomes das tribos que compõem os Povos do Mar aparecem como os sardanas (ou shardanas), seceles, lucanos, tiras (ou teres) e acauas. Além do Egito, também atacavam as regiões do Império Hitita, o Levante e outras áreas da costa do Mediterrâneo. Sua origem e identidade têm sido sugeridas (e debatidas) como sendo desde etruscas/troianas a italianas, filistinas, micênicas e mesmo minoicas mas, como nenhum relato descoberto até o momento trouxe mais luz para a questão, quaisquer destas alegações permanecem como meras conjecturas.

Nenhuma inscrição antiga denomina a coalizão como “Povos do Mar” - esta é uma designação moderna, cunhada inicialmente pelo egiptólogo francês Gaston Maspero por volta de 1881. Ele chegou a esta denominação porque os relatos antigos afirmam que estas tribos vinham “do mar” ou “das ilhas”, mas nunca dizem qual mar ou quais ilhas e, assim, a origem dos Povos do Mar continua desconhecida.

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Os três grandes faraós que registraram seus conflitos e vitórias sobre os Povos do Mar são Ramsés II, o Grande (r. 1279-1213 a.C.), seu filho e sucessor, Merenptah (ou Merneptah, r. 1213-1203 a.C.) e Ramsés III (r. 1186-1155 a.C.). Todos os três reivindicam grandes vitórias sobre os adversários e suas inscrições fornecem as mais detalhadas evidências sobre eles.

Os Povos do Mar e Ramsés II

Um dos mais efetivos governantes da história do antigo Egito, Ramsés, o Grande, entre outras realizações importantes, conseguiu garantir a segurança das fronteiras contra invasões de tribos nômades, além de manter seguras as rotas de comércio vitais para a economia do país. No início de seu reinado, os hititas tomaram o importante entreposto comercial de Kadesh (na atual Síria) e, em 1274 a.C., Ramsés liderou um exército para expulsá-los. O faraó reivindicou uma grande vitória e teve a história da campanha inscrita em detalhe e narrada para o povo.

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No relato de Ramsés, o Grande, os Povos do Mar são mencionados como aliados dos hititas, mas também como mercenários no exército egípcio.

Sua alegação de uma grande vitória é contestada pelo relato hitita, que também reivindica ter vencido, mas a inscrição é importante por várias razões além das que Ramsés possa ter tido em mente e, entre elas, pelo que revela sobre os Povos do Mar. Neste relato, eles são mencionados como aliados dos hititas, mas também como mercenários no exército egípcio. Não há menção sobre sua origem ou de quem eram, o que os estudiosos interpretam como sendo prova de que a audiência já tinha esta informação; os Povos do Mar não precisavam de apresentação.

Ramsés também relata como, no segundo ano de seu reinado, ele derrotou estes povos numa batalha naval ao longo da costa do Egito. Ramsés atraiu os navios de guerra dos inimigos, assim como as embarcações de suprimentos e cargas, para a região da foz do Nilo, onde uma pequena frota posicionava-se de maneira defensiva. Ele aguardou que as alas dos Povos do Mar atacassem o que parecia ser uma força insignificante para então lançar um ataque total, a partir dos flancos, que resultou no afundamento de vários navios inimigos. Esta batalha parece ter envolvido somente os sardanas ou, pelo menos, eles são os únicos mencionados porque, após a batalha, muitos foram incorporados ao exército egípcio e alguns serviram como guarda-costas de elite do faraó. Ramsés, sempre muito confiante em suas inscrições, dá a impressão de que tinha neutralizado a ameaça dos Povos do Mar, mas as inscrições de seus sucessores contam outra história.

Ramesses II Seated Statue, Thebes
Estátua de Ramsés II Sentado, Tebas
Mark Cartwright (CC BY-NC-SA)

As Inscrições de Merenptah

Merenptah continuou a ser perturbado pelos Povos do Mar, que se aliaram aos líbios para invadir o Delta do Nilo. O faraó escreve como, no quinto ano de seu reinado (1209 a.C.) Mereye, o chefe dos líbios, aliou-se aos Povos do Mar para invadir o Egito. Ele se refere aos aliados dos líbios como vindo “dos mares ao norte” e os denomina seus territórios como Ecue (Acauasa ou Acaiuasa), Teres, Luca, Sardana e Seceles. Os estudiosos tentaram, sem sucesso, identificar a localização destas regiões e os nomes pelos quais vieram a ser conhecidos. Há tantas teorias sobre a origem dos Povos do Mar quanto acadêmicos que as refutam. Sejam quem fossem, Merenptah os descreve como adversários formidáveis e, nas inscrições existentes nos muros do Templo de Karnak e na estela de seu templo funerário, mostra grande orgulho por tê-los derrotado.

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Neste ponto da história, parece que os Povos do Mar estavam buscando assentamento permanente no Egito, pois, além da força invasora, trouxeram com eles grande quantidade de utensílios caseiros e ferramentas de construção. Merenptah, após orar, jejuar e consultar os deuses sobre a melhor estratégia, enfrentou os Povos do Mar no campo de batalha em Pi-yer, onde as forças combinadas de infantaria, cavalaria e arqueiros mataram mais de 6,000 oponentes e aprisionaram membros da família real líbia. Merenptah reivindicou uma vitória completa e as fronteiras egípcias estavam novamente seguras. Para celebrar esta realização, ele imortalizou a história na inscrição em Karnak e também na famosa Estela de Merenptah, descoberta em seu templo funerário situado em Tebas. A conclusão do texto da Estela de Merenptah é a seguinte, em parte:

Os príncipes prostraram-se, dizendo "Paz!" Nem um dos Cinco Arcos ousa erguer sua cabeça; Tehenu é pilhada enquanto Hatti está pacificada, Canaã é assolada por todos os males, Ascalom é conquistada e Gezer é tomada, Yenoam ficou como se nunca tivesse existido, Israel é devastada sem semente, Khor (ou Hurru) é uma viúva do Egito, todas as terras estão em paz. Todos os que vagavam sem destino pelo deserto [beduínos] foram subjugado pelo Rei do Alto e Baixo Egito.

Os "Nove Arcos" mencionados são o termo costumeiro para os inimigos dos egípcios e Tehenu a denominação para a Líbia. A inscrição anuncia como Merenptah derrotou todas as regiões litigiosas que se levantaram contra o Egito e as subjugou, trazendo a paz. A Estela de Merenptah é a primeira menção a Israel na história registrada mas, de maneira interessante, refere-se não a um país ou região, mas a um povo. Os acadêmicos ainda desconhecem o significado desta referência. Como os Povos do Mar, esta referência a Israel continua a intrigar historiadores e pesquisadores modernos. O próprio Merenptah não se preocupa com Israel ou qualquer dos países que lista; ele estava satisfeito com a derrota dos Povos do Mar e com a segurança futura do Egito. Com seu predecessor, porém, Merenptah exagerou em seu otimismo e os Povos do Mar retornaram.

Ramesses II at The Battle of Kadesh
Ramsés II na Batalha de Kadesh
Cave cattum (CC BY-SA)

Ramsés III e a Batalha de Xois

Durante o reino do faraó Ramsés III, os Povos do Mar atacaram e destruíram o entreposto comercial egípcio em Kadesh e, novamente, tentaram invadir o país. Eles iniciaram as hostilidades com ataques rápidos ao longo da costa (exatamente como no tempo de Ramsés II), antes de se dirigir para o Delta. Ramsés III os derrotou em 1180 a.C., mas eles retornaram com reforços. Em sua inscrição da vitória, o faraó descreve a invasão:

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Os países estrangeiros conspiraram em suas ilhas. De uma só vez as terras foram tomadas e devastadas na batalha. Ninguém podia resistir a eles, desde Hatti, Quizuatena, Carquemis, Arzaua até Alásia – todos conquistados ao mesmo tempo. Um acampamento foi instalado em Amurru. Eles devastaram seu povo e sua terra parecia nunca ter existido. Vieram em direção ao Egito enquanto a chama estava preparada para eles. Sua confederação tinha os Pelesetes, Tjeker, Seceles, Denyen e Weshesh, todos reunidos. Eles punham as mãos sobre as terras tão distantes quanto o circuito da terra, seus corações estavam confiantes e acreditando, como diziam, que “Nossos planos serão bem-sucedidos!”

Os países mencionados na confederação dos Povos do Mar podem ser as regiões da Palestina (Peleset) ou Síria (Tjeker), mas isso é incerto. É evidente, no entanto, que estes eram os mesmos povos – com alguns acréscimos – que atacaram o Egito no reinado de Merenptah. Nesta invasão, como na anterior, os Povos do Mar estavam aliados aos líbios e, como Ramsés III observa, mosravam-se confiantes na vitória. Já tinham destruído o estado Hitita (referido na inscrição como Hatti) por volta de 1200 a.C. e, quando Ramsés III escreve que “vinham em direção ao Egito”, provavelmente queria dizer que avançavam de forma regular e sem oposição.

Ramsés III devia ter conhecimento dos embates dos predecessores com estes povos e, portanto, que eles precisavam ser levados muito a sério. Ele decidiu contra um engajamento direto no campo de batalha e preferiu utilizar táticas de guerrilha como estratégia de guerra. Organizou emboscadas ao longo da costa e no Delta do Nilo e fez uso efetivo de seus arqueiros, ocultando-os ao longo do litoral para fazer chover flechas nos navios ao seu sinal. Uma vez que a tripulação estava morta ou se afogando, as embarcações eram queimadas com flechas incendiárias.

Com o ataque naval esmagado, Ramsés III voltou sua atenção para o que restara da força invasora em terra. Ele empregou as mesmas táticas de antes e os Povos do Mar foram finalmente derrotados nas vizinhanças da cidade de Xois, em 1178 a.C.. Os registros novamente detalham uma vitória gloriosa, na qual muitos invasores foram mortos e outros aprisionados e incorporados ao exército e marinha dos egípcios ou vendidos como escravos.

Bronze Age Mediterranean Invasions & Migrations
Invasões e Migrações da Era do Bronze no Mediterrâneo
Alexikoua (CC BY-SA)

Ainda que Ramsés III tenha salvo o Egito da conquista, a guerra foi tão dispendiosa que arruinou o Tesouro Real, o que levou à falta de pagamento dos construtores de túmulos na vila de Set Maat (a moderna Deir el-Medina). Isso ocasionou a primeira greve de trabalhadores da história registrada, na qual os operários deixaram seus postos de trabalho e se recusaram a retornar até que tivessem sido completamente pagos.

Após a derrota para Ramsés III, os Povos do Mar desaparecem da história e os sobreviventes talvez tenham sido assimilados pela cultura egípcia. Não há registros de onde vieram e nem relatos sobre eles após 1178 a.C., mas, por cerca de cem anos, eles foram os mais temidos invasores navais na região do Mediterrâneo e um constante desafio para o poderio e prosperidade do Egito.

Um Mistério Duradouro

Como observado acima, não há concordância sobre quem fossem os Povos do Mar, mesmo que se possa encontrar muitos acadêmicos e supostos estudiosos discutindo acirradamente sobre sua alegação em particular. As inscrições egípcias abordadas aqui fornecem quase tudo o que se sabe destes povos além das referências em cartas dos hititas e assírios, as quais não trazem novas luzes para o assunto. Que eles não fossem estranhos aos egípcios é evidente pelo fato de que nunca são apresentados como um povo desconhecido. A possibilidade de amizade ou até aliança com o Egito é sugerida pela sua presença no exército de Ramsés, o Grande e pelo senso de surpresa expressado com as invasões. O historiador Marc van de Mieroop afirma:

Tanto Merenptah quanto Ramsés III apresentam [os ataques] como eventos súbitos, imprevisíveis e com grandes números de pessoas envolvidas. Os relevos de Ramsés III mostram até carroças carregadas com mulheres, crianças e utensílios domésticos, como se houvesse uma migração de toda a população. Seu relato da aparição dos Povos do Mar ao norte do Mediterrâneo oriental sugere que foi inesperada, muito súbita e altamente destrutiva. Mas Merenptah relatara ocorrências do mesmo tipo trinta anos antes. Nem os nomes dos integrantes dos Povos do Mar eram novos nos registros egípcios. Vários deles apareceram décadas antes. (251-252)

Os Povos do Mar são também mencionados na literatura do Egito – especialmente no Conto de Wenamun – onde aparecem como figuras familiares no panorama do Mediterrâneo. Por quê estes povos se levantavam tão regularmente contra o Egito – se, de fato, o fizeram – continua a confundir historiadores e acadêmicos. Historiadores como Marc van de Mieroop acreditam que a questão da identidade dos Povos do Mar nunca será desvendada e não há sentido em tentar descobri-la. Ele escreve que “Fica-se imaginando por que os Povos do Mar têm despertado tanta paixão” e declara: “Por quê eles ainda aparecem em cada compêndio sobre história mundial ainda necessita de explicação” (259). A explicação é simples, no entanto: a verdadeira identidade dos Povos do Mar permanece misteriosa e os mistérios sempre atraíram os seres humanos – e vão continuar despertando sua curiosidade.

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Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Ricardo é um jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Joshua J. Mark
Escritor freelance e ex-professor de filosofia em tempo parcial no Marist College, em Nova York, Joshua J. Mark viveu na Grécia e na Alemanha e viajou pelo Egito. Ele ensinou história, redação, literatura e filosofia em nível universitário.

Citar este trabalho

Estilo APA

Mark, J. J. (2009, Setembro 02). Povos do Mar [Sea Peoples]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-181/povos-do-mar/

Estilo Chicago

Mark, Joshua J.. "Povos do Mar." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação Setembro 02, 2009. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-181/povos-do-mar/.

Estilo MLA

Mark, Joshua J.. "Povos do Mar." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 02 Set 2009. Web. 27 Abr 2024.